Fonte: Diálogo
Na linha de abordagem de nossas publicações temos proposto
uma reflexão sobre as multifacetadas questões que envolvem o modelo atual da
Educação em nosso país, na busca de uma visão sistêmica que oriente ações
transformadoras consistentes.
Foi
com indignação que publicamos a má
gestão dos recursos públicos na Educação. Foi com espanto que
apontamos a tentativa do Consed – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais
de Educação – de reverter o piso salarial do professor.
Foi com inquietação e estranhamento que consideramos a síndrome de Burnout um
sintoma da insanidade da nossa sociedade. E foi com emoção que lemos o
depoimento da Profª. Guilhermina Borges de Araujo a
quem agradecemos por conferir assertividade às reflexões que propomos e às
contribuições que almejamos oferecer.
Nesse
sentido, continuamos nossas reflexões sobre o modelo de Educação que, de fato,
se instaurou em nosso país, mapeando as interfaces que configuram o nosso
sistema educacional. Nesse momento, o protagonismo ocorre no âmbito das famílias:
alunos e pais, ambos em interação complementar reveladora.
O
jornal O Estado de São Paulo publicou (13/11/2008), em seu caderno Metrópole,
duas reportagens estarrecedoras: “Alunos
brigam, trancam professores e quebram escola na zona leste de SP” –
Maria Rehder e “Só nesse ano,
50 ocorrências desse tipo” –
Rodrigo Brancatelli.
Na
primeira, um grupo de alunos, segundo funcionários da escola, autodenominado
PCAA (Primeiro comando do Amadeu Amaral – Escola Estadual Amadeu Amaral –
Belém, zona leste de São Paulo) se autorizou a atos de depredação da escola em
um vandalismo só referenciado nas ações do crime organizado. A questão que se
coloca é o modelo delinquente que está orientando os processos de aprendizagem
desses adolescentes enquanto o Estado de Direito permanece inerte e omisso. Se
antes, os padrões criminosos orientavam o mundo do crime e dominavam as
populações carcerárias, agora, mobilizam lideranças jovens que trazem para o
espaço escolar as práticas contrárias aos valores humanos e humanizadores que
deveriam alicerçar o convívio na escola. O medo e a lei do silêncio se impõem:
funcionários da escola relatam na reportagem que não registram as recorrentes
ocorrências – invasões, incêndios e depredações – por medo de represálias dos
alunos.
Mas
esse não é um caso isolado, a segunda reportagem relata as agressões a
professores: ameaças e ataques que vêm sofrendo nos últimos anos. De janeiro a
setembro de 2008, segundo informação da própria Secretária de Educação, foram
registradas 50 ocorrências de violência nas escolas. Em 2007, foram registradas
180 e em 2006, 217. São dados alarmantes. Qual o significado desses dados: a
diminuição das ocorrências ou dos seus registros? Tudo indica que a
desesperança diante dos desdobramentos da violência e a certeza da inoperância
do Estado confirmam a lei do silêncio referida acima e explica o número
decrescente dos registros dessas ocorrências.
Outro
dado significativo apontado nessa reportagem é a agressão física sofrida por
uma professora, não mais cometida por um aluno, mas por uma mãe. A aprendizagem
do comportamento agressivo e violento se inicia na família e ao desdobrar-se na
escola sem uma interferência consistente e eficaz acaba gangrenando todo o
tecido social. É o que temos observado!
A
violência não está circunscrita à rede de ensino pública. São inúmeros os
relatos de agressão psicológica, moral e física também nas escolas privadas
incluindo as de alto padrão o que significa que a violência não está
referenciada na condição socioeconômica das famílias, mas no sistema de valores
que alicerça as suas relações interpessoais.
Na
mesma página das reportagens acima, há uma nota de Humberto Maia Júnior: “Para
especialistas, educar é melhor do que punir”. Segundo essa nota, para o
coordenador do Núcleo de Criminalidade Infanto-Juvenil da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), Leonardo Pantaleão, “A
lei do mais forte é mais valorizada do que os padrões éticos da sociedade”.
Sabemos que o padrão ético na nossa sociedade, apreendido na família pela
mediação dos pais, é pautado na lei do mais forte que impõe, valoriza e
perpetua a diferença e o poder do forte sobre o fraco, por isso a ética dos
valores humanos e humanizadores visando o bem comum é apenas um discurso que
não se realiza na prática.
Ainda
na mesma nota, a socióloga da USP Caren Ruotti diz que a escola tem que assumir
o papel de educador e “Quando
estimulados de forma positiva, os jovens também agem assim”. Do ponto de
vista teórico, concordamos com a Profª. Caren, mas reafirmamos a nossa posição
já explicitada nesse blog: no que tange à Educação, a aprendizagem reflexiva na
universidade deve estar sustentada pela experiência da interação com a
realidade da sala de aula. A complexidade do cenário, acima descrito, não
permite fórmulas reducionistas.
Com
certeza os estímulos positivos são essenciais para o alcance dos objetivos em
processos de aprendizagem eficazes que só poderão ser projetados em uma escola
que represente um continente de segurança tanto para alunos como para
educadores e no qual, educadores autorizados à coerência entre ações e
propósitos, sejam reconhecidos pelos alunos porque a sociedade e o Estado lhes
conferem autoridade. Temos que considerar ainda que os estímulos positivos
devam estar contextualizados pelos limites da norma que rege o convívio social.
Nesse sentido, aquele que a desrespeitar deverá responder consistentemente pela
sua escolha, o que não deve ser entendido como punição, mas como um estímulo
positivo para integração ao convívio social e valorização do bem estar comum. É
somente nesse contexto que a escola assumirá a sua função social: educar.
Se
a família não coloca limites, se a Escola – hoje desautorizada – não coloca
limites, se a polícia – também desautorizada – não coloca limites e o
Judiciário não exerce com eficácia o seu Poder, a delinquência organizada impõe
a sua lei: silêncio, tortura e homicídio.
Esse
é o cenário que explica a síndrome de Burnout fazendo-nos compreender o
desabafo da Profª. Guilhermina Borges de Araujo:
“Não
conseguia entender o desânimo e as crises de choro que me acometiam ao
lembrar-me do quanto fui engajada em realizar um excelente trabalho junto aos
meus alunos, e nunca ter sido reconhecida.
A frustração andando continuamente comigo e deixando-me com a sensação de ter feito a escolha mais errada de minha vida: tornar-me educadora.”
A frustração andando continuamente comigo e deixando-me com a sensação de ter feito a escolha mais errada de minha vida: tornar-me educadora.”
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