Autor: Nelino Azevedo de Mendonça
A importância
de repensar o papel da escola enquanto instituição responsável pelos processos
formativos destinados às maiorias sociais surge, atualmente, como uma condição
fundamental para que se possa reorientá-la na direção dos interesses, anseios,
desejos e realidade sociocultural das classes populares.
Tal necessidade
se justifica pelo fato de a escola não responder, tanto na sua concepção quanto
na sua organização, às expectativas que as classes populares da sociedade
esperam dela, que é contribuir de forma substantiva para o seu êxito social.
Essas questões devem ser consideradas para que se repense a escola no que diz
respeito ao seu papel histórico, à sua meta educacional e à sua finalidade,
enquanto ofertante de processos educacionais dirigidos às populações
historicamente excluídas da sociedade.
Em conversa
sobre o papel e o futuro da escola, Miguel Arroyo afirma que a escola
básica se construiu de maneira muito descaracterizada, sempre foi uma escola
para algo, uma escola para tirar os analfabetos do analfabetismo, ou para
preparar o cidadão para a República, ou para o emprego, ou para o vestibular. A
escola e a educação básica tiveram um caráter propedêutico, preparatório:
preparatório para a próxima série, para o próximo nível, preparatório para a
sobrevivência (2003, p. 128).
Por essa razão,
a escola deve ser reconstruída na perspectiva de se transformar num ambiente
formativo de processos sócioeducacionais capazes de contribuir
significativamente na formação humana dos sujeitos, de modo pleno e integral, e
não se limitar a ser um espaço apenas para a escolaridade das pessoas. Reduzir
a escola a uma agência de transmissão de saberes formais, preocupada
exclusivamente com os conhecimentos instrumentais, que são aqueles organizados
pelas diversas áreas de conhecimentos (matemática, língua portuguesa,
geografia, história, entre outras), é desvirtuar a verdadeira função social,
pedagógica e política da escola.
É certo que esses conhecimentos são fundamentais para a
construção das competências e habilidades dos sujeitos, contudo, são
insuficientes e limitados, quando se pretende a formação integral dos seres
humanos. Para isso, a escola deve desenvolver a sua função socioeducativa,
articulando os conhecimentos instrumentais com os conhecimentos educativos e os
conhecimentos organizativos, como defende Souza. São conhecimentos educativos
aqueles que vão possibilitar aos sujeitos a construção de sua identidade
enquanto ser, enquanto pessoa que se constitui cidadão/cidadã com capacidades
de viver/conviver no meio social; os conhecimentos organizativos vão contribuir
para a ação/intervenção, individual e coletiva, na sociedade.
Os seres
humanos constroem sua identidade pessoal e social em contextos históricos e
culturais, a partir de processos relacionais consigo mesmos, com os outros e
com o mundo. É nessa relação interativa e dialógica que os seres humanos se
diferenciam dos outros animais e é, exatamente por isso, que a escola deve ser
um espaço de confrontação e diálogo de saberes, sejam eles saberes formais,
informais, particulares, populares, científicos. É através desse diálogo que
novos saberes serão construídos. Mas esses novos saberes deverão ter um sentido,
uma validade, uma importância subjetiva e objetiva para a vida das pessoas,
para que cada cidadão e cada cidadã possam ter maior capacidade e poder de
intervenção na sociedade e, consequentemente, torná-la menos desumanizante e
mais humanizada.
Considerando o
contexto e a perspectiva que se pretende para a escola, enquanto propulsora de
processos educativos capazes de contribuir para o sucesso escolar e social das
camadas populares da sociedade e de sua permanente humanização, Souza afirma
que se a escola pretende garantir as finalidades da educação básica, precisa
desenvolver uma “educação como processos e experiências de humanização do ser
humano, incluindo, portanto, as questões do trabalho, da cidadania, do respeito
aos outros e às outras, o desenvolvimento cultural de todas em todos os
quadrantes da terra” (2004, p. 73).
Pode ser a
partir desta proposição que se construam os fios que vão tecendo o caminho que
rompa com o atual modelo educacional e faça surgir uma escola que em lugar de
ter caráter meramente escolarizante, seja capaz de construir novas relações
humanas e contribuir para os processos de humanização. Uma escola que
compreenda que a construção das identidades pessoais e coletivas exige o
reconhecimento e a valorização das culturas locais, regionais e universais; uma
escola que assegure uma convivência democrática capaz de comportar as diversas
formas de convivência de classe, de etnia, de gênero, de credo, de idade, de
linguagem, de opção sexual, de ideologia. Mas, ao mesmo tempo, uma escola que
rompa “radicalmente com as formas de dominação e exploração ideológicas e
históricas da vida humana, como, também, despoluírem-se dos ranços
preconceituosos e discriminatórios que pregam e impõem uma unidade que não
admite nem reconhece a presença das diferenças”. (MENDONÇA, 2006, p. 111)
A superação
desse modelo de escola exige, além de uma grande reestruturação do sistema
econômico e social do país e de novas políticas sociais que estejam a favor das
maiorias sociais excluídas dos direitos básicos e fundamentais, uma mudança de
mentalidade que reconheça o ser humano como sendo a razão central de qualquer
tipo de transformação e desenvolvimento social. De acordo com Lima, “a
democracia, a solidariedade e o bem comum continuam a representar os maiores
problemas da escola pública” (2006, p. 26), mas é exatamente porque o
aperfeiçoamento social, a democracia, o bem comum e a solidariedade são os
maiores bens na construção da humanização dos seres humanos.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel.
A escola é importantíssima na lógica do direito à educação básica.
In: COSTA,
Marisa Vorraber (org.). A escola tem futuro? Rio de janeiro:
DP&A, 2003.
FREIRE, Paulo.
Política e Educação: ensaios. São Paulo, Cortez, 2003.
LIMA, Licínio
C. Escolarizando para uma educação crítica: a reinvenção das escolas como organizações
democráticas. In: TEODORO, Antônio. TORRES, Carlos Alberto. (orgs.). Educação
crítica e utopia: perspectiva para o século XXI. São Paulo, Cortez, 2006.
MENDONÇA,
Nelino Azevedo de. A multiculturalidade como processo humanizador na pedagogia
de Paulo Freire. In: CONCEIÇÃO, Maia Francisca da; NETO, José Francisco de Melo
(orgs.). Aprimorando-se com Paulo Freire em dialogicidade. Recife, Bagaço –
Centro Paulo Freire, 2006.
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