quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Turma do Fundão


 

Ex-maus alunos - atuais profissionais de sucesso - revelam por que achavam a escola um martírio

A função do educador é dar o beijo que desperta a inteligência. Com a leveza da poesia, essas palavras de Sócrates indicam o caminho iluminado do saber. Mas, infelizmente, a realidade da escola é obscura, repleta de tapas e de poucos beijos. Os caminhos trilhados pela instituição educacional por vezes são tão tenebrosos que resvalam para a coerção da criatividade, cerceamento das diferenças, substituição do prazer pela obrigação. Por consequência, muitos não descobrem a aventura do conhecimento.
O psicanalista Rubem Alves e o jornalista Gilberto Dimenstein devotam-se ao prazer de aprender, mas não trazem lembranças alentadoras dos bancos escolares. Para eles, escola rimava com dor, humilhação, vergonha. Em ritmo de prosa descontraída, eles relembram a experiência estudantil no livro Fomos maus alunos (Papirus, 130 págs). (Clique aqui)
A partir de relatos pessoais, Alves e Dimenstein alertam para o aniquilamento da essência da escola, que de instigadora intelectual passa a ser instrumento da burocracia, interessada primordialmente em notas, cumprimento de currículos e apego a dogmas institucionais. No fundo, a obra é uma conversa sobre o ensino, que deveria ser fonte de luz, mas seguiu o caminho da obsolescência. "Eu não era medido pelo conhecimento que tinha com o mundo, era medido pelo vovô viu a uva", assinala Dimenstein, em referência ao método das antigas cartilhas de alfabetização. "Desde criança, tinha muita curiosidade. E o interessante é o seguinte: desde o princípio, compreendi que a escola não tinha lugar para as curiosidades que estavam na minha cabeça", escreve Alves.

Curiosidade que se manifestou aos seis anos quando o psicanalista desmontou o relógio de pulso da mãe para saber como funcionava. Ou quando ouvia pelo rádio notícias da Segunda Guerra Mundial. "Como é que aprendi geografia? Meu pai pregou na parede o mapa da Europa e eu ia seguindo com ele para onde a Alemanha estava se deslocando. E a gente começava a pensar", relata Alves, que tirava notas boas não porque se interessasse pela escola, mas para ter tempo livre para brincar.
A chama da história também estava acesa na cabeça de Dimenstein, que, ao contrário do amigo psicanalista, sempre ficava de recuperação. De família de judeus, as sombras do holocausto se faziam presentes. Essa foi uma das razões para o jornalista, ainda garoto, manter as orelhas ligadas nos grandes acontecimentos do mundo, como os desdobramentos da Guerra Fria e a criação do Estado de Israel.

Para Dimenstein, a escola funcionava como um muro de Berlim. "O que me ligava à educação era a notícia. Quando eu estava na escola, o que me ensinavam era tão distante daquele mundo da sensibilidade. A escola parecia desconectada de tudo isso." Assim, sua vida curricular é a "história de um fracasso", aponta o próprio jornalista, membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo.
A imagem de ser um estudante fracassado também foi tão forte para o professor de metodologia Ricardo Hage de Matos que hoje sua tese de doutorado na PUC é baseada justamente na superação de obstáculos. "Minha postura perante o mundo poderia ser entendida no contexto de um fracassado escolar, pois sou um deles", afirma Hage de Matos. Ele tirava notas vermelhas nas provas de exatas e era incapaz de aprender inglês nas aulas. "O insucesso escolar está ligado à cognição, que se divide em textual e imagética. A estrutura curricular privilegia o êxito textual (provas). O aluno criativo, que olha pela janela para ver a realidade na rua, vai mal", analisa o professor da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.
Integrante do time dos sonhadores, Hage de Matos encontrou sua "salvação" nas páginas de ficção científica. Fã ardoroso do gênero, os livros desenvolveram nele o senso de abstração. Quando estava na quarta série do primário, deixou sua verve poética aflorar numa redação sobre as escamas das borboletas, cujas informações pesquisou numa enciclopédia. A professora elogiou o trabalho e deu uma nota alta, mas achou que o conteúdo fora inventado. Hage de Matos disse que não. Como resultado pela contestação, teve a nota rebaixada.
Situação semelhante ocorreu com Antônio Carlos Gomes da Costa, pedagogo e um dos mentores do Estatuto da Criança e do Adolescente. Garoto fascinado por poesia e leitura, passou uma tarde inteira e parte da noite escrevendo uma redação. No dia seguinte, o professor leu o texto em voz alta na classe e parabenizou o aluno por ele "ter encontrado a pessoa certa (competente e culta) para ajudá-lo na redação". Embora tenha dado nota elevada, insistiu para o garoto dizer quem o havia auxiliado.
"Meu mundo caiu. Fiquei olhando o professor e não disse nada. Não comentei aquilo com ninguém. Mesmo depois desse episódio, meu gosto por ler e escrever só fez aumentar. Essa lembrança, porém, tantos anos depois, continua povoando meu espírito", relembra o pedagogo. Ele repetiu duas vezes o primeiro ano do ginásio e, menino quieto e retraído, costumava se "esconder" ocupando as últimas cadeiras da classe.
De tímido, o publicitário Washington Olivetto não tinha nada: era o rapaz popular que estava sempre de prosa com as meninas do colégio. Mas seu ponto comum com Gomes da Costa era ser da "turma do fundão". Nunca se destacou pelas notas das provas e achava as aulas de exatas enfadonhas. "Adorava literatura e disciplinas de humanas, mas era absolutamente medíocre em matemática", assume o publicitário.
Travesso, o fundador da agência W/Brasil esquentava a cabeça para descobrir maneiras de burlar normas, como fez certa vez numa escola de padres agostinianos, em São Paulo, onde estudava. Os alunos eram obrigados a ir à missa, e a presença era atestada por um carimbo na folha de chamada. Para fugir da liturgia, ele e uns amigos mandaram fazer um carimbo igual ao usado pelos padres. "O carimbo fajuto era um bom aplique", diverte-se.
Foi com esse espírito zombeteiro que o jovem Olivetto conseguiu emprego numa agência de propaganda. Pouco tempo depois ganharia um Leão de Bronze no Festival de Cannes, o Oscar da publicidade. "Meu interesse pelo conhecimento surgiu fora da sala de aula. Nunca tive como objetivo principal obter notas ou diplomas" comenta o publicitário, que não concluiu as graduações de comunicação social e psicologia.

Wagner Carelli, jornalista e editor, por sua vez, primava pelas boas notas. Mas uma experiência traumática na escola tingiu seu boletim de vermelho e o fez perder o interesse pelas aulas. Aos nove anos, passou no teste de admissão do colégio Mackenzie, frequentado por alunos da classe média alta paulistana. Mas, ao contrário dos colegas de escola, não dispunha de dinheiro para comprar roupas caras.
O sentimento de ser "diferente" dos demais era aguçado pelo fato de usar bota ortopédica. Uma vez foi à frente da sala ler um texto e uma garota zombou: "Olha o sapato dele", enquanto a turma ria. "Foi humilhante. O que me decepcionou mais ainda foi a reação do professor, que se omitiu. Era o momento de ele mostrar que aquilo não se faz", afirma o jornalista, sócio da W/11 Editores.
Histórias como a de Carelli são a prova da inabilidade da escola em lidar com o que foge ao padrão, avalia Gomes da Costa. Para ele, alunos que se adaptam inteiramente aos conteúdos e ao regime disciplinar muitas vezes se tornam um sucesso na escola, mas, na vida, não conseguem repetir a mesma performance, "embora - e isso é inegável - existam casos em que o sucesso escolar se repete na vida social e profissional", argumenta.
"Mas estes casos, pelo que observo, não são a maioria, principalmente nas profissões em que a principal exigência é a criatividade ou a capacidade de correr riscos." 
Fonte: Uol.
Comentários: Infelizmente grande parte das escola ainda não acordaram no que diz respeito a este tema. Muitos alunos tido hoje como "alunos complicados, difíceis", na verdade alguns serão pessoas de notável sucesso e inteligência. Mas aí vem a grande pergunta: Eu como educador, o que farei para lidar com tais alunos e proporcionar a eles uma escola interessantes e que desperte seus potenciais? Fica aí a pergunta.

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