Ex-maus
alunos - atuais profissionais de sucesso - revelam por que achavam a escola um
martírio
A
função do educador é dar o beijo que desperta a inteligência. Com a leveza da
poesia, essas palavras de Sócrates indicam o caminho iluminado do saber. Mas,
infelizmente, a realidade da escola é obscura, repleta de tapas e de poucos
beijos. Os caminhos trilhados pela instituição educacional por vezes são tão tenebrosos
que resvalam para a coerção da criatividade, cerceamento das diferenças,
substituição do prazer pela obrigação. Por consequência, muitos não descobrem a
aventura do conhecimento.
O
psicanalista Rubem Alves e o jornalista Gilberto Dimenstein devotam-se ao
prazer de aprender, mas não trazem lembranças alentadoras dos bancos escolares.
Para eles, escola rimava com dor, humilhação, vergonha. Em ritmo de prosa
descontraída, eles relembram a experiência estudantil no livro Fomos maus
alunos (Papirus, 130 págs). (Clique
aqui)
A partir de relatos pessoais, Alves e Dimenstein alertam para o
aniquilamento da essência da escola, que de instigadora intelectual passa a ser
instrumento da burocracia, interessada primordialmente em notas, cumprimento de
currículos e apego a dogmas institucionais. No fundo, a obra é uma conversa
sobre o ensino, que deveria ser fonte de luz, mas seguiu o caminho da
obsolescência. "Eu não era medido pelo conhecimento que tinha com o mundo,
era medido pelo vovô viu a uva", assinala Dimenstein, em referência ao
método das antigas cartilhas de alfabetização. "Desde criança, tinha muita
curiosidade. E o interessante é o seguinte: desde o princípio, compreendi que a
escola não tinha lugar para as curiosidades que estavam na minha cabeça",
escreve Alves.
Curiosidade
que se manifestou aos seis anos quando o psicanalista desmontou o relógio de
pulso da mãe para saber como funcionava. Ou quando ouvia pelo rádio notícias da
Segunda Guerra Mundial. "Como é que aprendi geografia? Meu pai pregou na
parede o mapa da Europa e eu ia seguindo com ele para onde a Alemanha estava se
deslocando. E a gente começava a pensar", relata Alves, que tirava notas
boas não porque se interessasse pela escola, mas para ter tempo livre para
brincar.
A
chama da história também estava acesa na cabeça de Dimenstein, que, ao
contrário do amigo psicanalista, sempre ficava de recuperação. De família de
judeus, as sombras do holocausto se faziam presentes. Essa foi uma das razões
para o jornalista, ainda garoto, manter as orelhas ligadas nos grandes
acontecimentos do mundo, como os desdobramentos da Guerra Fria e a criação do
Estado de Israel.
Para
Dimenstein, a escola funcionava como um muro de Berlim. "O que me ligava à
educação era a notícia. Quando eu estava na escola, o que me ensinavam era tão
distante daquele mundo da sensibilidade. A escola parecia desconectada de tudo
isso." Assim, sua vida curricular é a "história de um fracasso",
aponta o próprio jornalista, membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo.
A
imagem de ser um estudante fracassado também foi tão forte para o professor de
metodologia Ricardo Hage de Matos que hoje sua tese de doutorado na PUC é
baseada justamente na superação de obstáculos. "Minha postura perante o
mundo poderia ser entendida no contexto de um fracassado escolar, pois sou um
deles", afirma Hage de Matos. Ele tirava notas vermelhas nas provas de
exatas e era incapaz de aprender inglês nas aulas. "O insucesso escolar
está ligado à cognição, que se divide em textual e imagética. A estrutura
curricular privilegia o êxito textual (provas). O aluno criativo, que olha pela
janela para ver a realidade na rua, vai mal", analisa o professor da
Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.
Integrante
do time dos sonhadores, Hage de Matos encontrou sua "salvação" nas
páginas de ficção científica. Fã ardoroso do gênero, os livros desenvolveram
nele o senso de abstração. Quando estava na quarta série do primário, deixou
sua verve poética aflorar numa redação sobre as escamas das borboletas, cujas
informações pesquisou numa enciclopédia. A professora elogiou o trabalho e deu
uma nota alta, mas achou que o conteúdo fora inventado. Hage de Matos disse que
não. Como resultado pela contestação, teve a nota rebaixada.
Situação
semelhante ocorreu com Antônio Carlos Gomes da Costa, pedagogo e um dos
mentores do Estatuto da Criança e do Adolescente. Garoto fascinado por poesia e
leitura, passou uma tarde inteira e parte da noite escrevendo uma redação. No
dia seguinte, o professor leu o texto em voz alta na classe e parabenizou o
aluno por ele "ter encontrado a pessoa certa (competente e culta) para
ajudá-lo na redação". Embora tenha dado nota elevada, insistiu para o
garoto dizer quem o havia auxiliado.
"Meu
mundo caiu. Fiquei olhando o professor e não disse nada. Não comentei aquilo
com ninguém. Mesmo depois desse episódio, meu gosto por ler e escrever só fez
aumentar. Essa lembrança, porém, tantos anos depois, continua povoando meu
espírito", relembra o pedagogo. Ele repetiu duas vezes o primeiro ano do
ginásio e, menino quieto e retraído, costumava se "esconder" ocupando
as últimas cadeiras da classe.
De
tímido, o publicitário Washington Olivetto não tinha nada: era o rapaz popular
que estava sempre de prosa com as meninas do colégio. Mas seu ponto comum com
Gomes da Costa era ser da "turma do fundão". Nunca se destacou pelas
notas das provas e achava as aulas de exatas enfadonhas. "Adorava
literatura e disciplinas de humanas, mas era absolutamente medíocre em
matemática", assume o publicitário.
Travesso,
o fundador da agência W/Brasil esquentava a cabeça para descobrir maneiras de
burlar normas, como fez certa vez numa escola de padres agostinianos, em São
Paulo, onde estudava. Os alunos eram obrigados a ir à missa, e a presença era
atestada por um carimbo na folha de chamada. Para fugir da liturgia, ele e uns
amigos mandaram fazer um carimbo igual ao usado pelos padres. "O carimbo
fajuto era um bom aplique", diverte-se.
Foi com
esse espírito zombeteiro que o jovem Olivetto conseguiu emprego numa agência de
propaganda. Pouco tempo depois ganharia um Leão de Bronze no Festival de
Cannes, o Oscar da publicidade. "Meu interesse pelo conhecimento surgiu
fora da sala de aula. Nunca tive como objetivo principal obter notas ou
diplomas" comenta o publicitário, que não concluiu as graduações de
comunicação social e psicologia.
Wagner
Carelli, jornalista e editor, por sua vez, primava pelas boas notas. Mas uma
experiência traumática na escola tingiu seu boletim de vermelho e o fez perder
o interesse pelas aulas. Aos nove anos, passou no teste de admissão do colégio
Mackenzie, frequentado por alunos da classe média alta paulistana. Mas, ao
contrário dos colegas de escola, não dispunha de dinheiro para comprar roupas
caras.
O
sentimento de ser "diferente" dos demais era aguçado pelo fato de
usar bota ortopédica. Uma vez foi à frente da sala ler um texto e uma garota
zombou: "Olha o sapato dele", enquanto a turma ria. "Foi
humilhante. O que me decepcionou mais ainda foi a reação do professor, que se
omitiu. Era o momento de ele mostrar que aquilo não se faz", afirma o
jornalista, sócio da W/11 Editores.
Histórias
como a de Carelli são a prova da inabilidade da escola em lidar com o que foge ao
padrão, avalia Gomes da Costa. Para ele, alunos que se adaptam inteiramente aos
conteúdos e ao regime disciplinar muitas vezes se tornam um sucesso na escola,
mas, na vida, não conseguem repetir a mesma performance, "embora - e isso
é inegável - existam casos em que o sucesso escolar se repete na vida social e
profissional", argumenta.
"Mas
estes casos, pelo que observo, não são a maioria, principalmente nas profissões
em que a principal exigência é a criatividade ou a capacidade de correr
riscos."
Fonte:
Uol.
Comentários: Infelizmente
grande parte das escola ainda não acordaram no que diz respeito a este tema.
Muitos alunos tido hoje como "alunos complicados, difíceis", na
verdade alguns serão pessoas de notável sucesso e inteligência. Mas aí vem a
grande pergunta: Eu como educador, o que farei para lidar com tais alunos e
proporcionar a eles uma escola interessantes e que desperte seus potenciais?
Fica aí a pergunta.
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