Responsável por 11,8% dos
mais de oito milhões de alunos no segundo grau, setor privado registra poucos
casos de práticas pedagógicas diferenciadas
Implantar projetos inovadores no ciclo médio de ensino não é uma tarefa árdua apenas na rede pública de ensino. Na maioria das vezes, escolas particulares também não conseguem se distanciar de práticas tradicionais - um dos principais motivos é a forte relação que essa etapa da educação ainda mantém com o vestibular.
Na opinião do mestre em didática e
especialista em avaliação Vasco Moretto, o ensino médio ainda é compreendido
sobretudo como um momento de preparação para o exame seletivo, por isso o seu
conteúdo acaba se tornando refém da avaliação. E como as instituições privadas
dependem do número de alunos matriculados, elas acabam valorizando a preparação
para essa competição. "Muitos pais matriculam uma criança no ensino
infantil e já perguntam se o colégio garante que ela irá passar no vestibular.
Isso se torna uma barreira", comenta.
Um outro problema é a preparação
dos professores. Segundo Telma Vinha, professora da faculdade de educação da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os docentes na área privada
costumam ter dificuldades em preparar ações articuladas, pois muitas vezes eles
não têm o tempo necessário para se reunir e organizar conteúdos com abordagens
diferenciadas. "Ou são especialistas em determinado campo e não conseguem
estabelecer conexões, seja com assuntos de interesse do aluno ou com outra
disciplina", completa a educadora.
No entanto, com a atual discussão
sobre reformas no ensino médio e as mudanças no vestibular, especialmente
através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), há um número crescente de
instituições que têm buscado ações inovadoras no seu projeto pedagógico e
estimulado uma formação mais humana e interativa do conhecimento. Uma delas é a
Escola Parque, situada no Rio de Janeiro. Seu principal diferencial é a oferta
de projetos extracurriculares, nos modelos eletivo e opcional, que procuram
formar o aluno tanto para enfrentar o mundo acadêmico como para desenvolver
competências no mercado de trabalho. São ao todo 11 atividades oferecidas, como
fotografia, animação, robótica e desenho, das quais os alunos da primeira e
segunda série precisam escolher pelo menos uma para estudar durante o ano
letivo.
Interdisciplinaridade
Além disso, o conteúdo dessas
atividades está conectado com as disciplinas comuns. Um aluno que esteja
cursando robótica por exemplo, irá aprender as noções da área conforme o que
estiver sendo ensinado nas aulas de física. A escola também promove, baseados
nessas atividades, projetos que discutem fatos importantes da atualidade e
estimulam a reflexão dos alunos. A participação nesses casos é sempre
voluntária, mas, de acordo com o coordenador Daniel Bahiense, o índice é alto.
"A maioria dos alunos se interessa, pois sempre tentamos propor
experiências dinâmicas, que estejam de acordo com o ritmo deles", comenta.
Entre os projetos, um dos principais é o Modelo Diplomático da Escola Parque
(Modep). Ele é aberto para todos os alunos do ensino médio e durante quatro
dias promove discussões de problemas internacionais reais, criando simulações
de fóruns e conselhos da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse contexto,
os alunos produzem o próprio material que vão utilizar e pelo menos um é
responsável por representar um país.
A Escola Parque também busca
aproximar os alunos da realidade do ensino superior. Isso acontece por meio de
apresentações realizadas por instituições de ensino superior e, especificamente
para os alunos do segundo ano, a elaboração de uma monografia nos moldes de uma
graduação. O tema a ser debatido geralmente está atrelado a um dos projetos
organizados. Os alunos produzem o texto ao longo do ano e o apresentam a uma
banca de professores no final. Para auxiliar os professores a preparar todas
essas ações a instituição mantém orientadores em cada área de ensino. Cabe a
eles avaliar as provas, acompanhar o desempenho das aulas e abordagens, além de
procurar as maneiras de relacionar os conteúdos das disciplinas.
"Consideramos isso muito importante, pois assim os professores conseguem
compartilhar propostas e responsabilidades sem perder o foco na sala de
aula", afirma o coordenador Daniel Bahiense.
Aposta na internet
Já no colégio Oswald de Andrade,
em São Paulo, a principal inovação na abordagem de conteúdo para o ensino médio
são os blogs produzidos por professores da instituição, geralmente com temas
que fazem parte do universo dos jovens mas que não costumam ser tratados em
aula. Um exemplo é o blog "12ª Dimensão", mantido pelo professor de
física Jacó Moura - recentemente ele postou um texto que falava sobre emissão
radioativa a partir de exemplos de super-heróis dos quadrinhos. Há mais dois
espaços virtuais como esse: "Prefácio Cultural", sobre literatura e
cinema, e "Saber na Rede", que discute temas ligados ao mundo
digital. Todo o conteúdo exposto nos blogs é considerado uma continuação do que
é ensinado em sala, e os professores perguntam aos estudantes sobre o que
gostariam de ler. É importante ressaltar que os alunos não são obrigados a
acompanhar o que é publicado. "O objetivo é que a ferramenta
desperte a curiosidade intelectual dos jovens sem que eles sejam
forçados", afirma André Meller, coordenador do ensino médio do colégio.
O colégio tem, há cerca de um ano,
uma conta no site YouTube, que é utilizado para postar vídeos e até mesmo
transmissões ao vivo de atividades promovidas, como palestras e mesas de
discussão. O canal também apresenta um quadro periódico chamado
"Oswaldianas", no qual os professores dão dicas de eventos culturais
que acontecem na cidade e que têm ligação com a disciplina que ensinam.
Outra diferença do Oswald de
Andrade é a grade curricular. Os alunos do ensino médio têm um número menor de
aulas por dia, entre quatro e seis, porém cada uma com um tempo de
duração maior que o comum, com uma hora e quinze minutos. Além disso,
entre cada disciplina há um intervalo de dez minutos. Ainda que não existam
cursos profissionalizantes na escola, a partir da segunda série os estudantes
passam a ter obrigatoriamente uma matéria chamada "Orientação
Profissional". São grupos de até 15 pessoas, coordenados por especialistas
na área, que precisam produzir pesquisas sobre cursos, profissões e faculdades,
realizam visitas a universidades e locais de trabalho e participam de palestras
com ex-alunos e profissionais. Na terceira série essa orientação continua e os
alunos passam a cursar outra disciplina, chamada "Projetos de
Intervenção". Ela tem o objetivo de sintetizar o que foi aprendido até
aquele momento, e o tema é escolhido pelos alunos. O projeto é apresentado no
fim do ano - ele pode ser pensado em forma de espetáculo, filme, oficinas ou
intervenções no espaço urbano.
Cidadãos críticos
Nas escolas da rede de ensino do
Serviço Social da Indústria (Sesi) do Paraná, o projeto pedagógico implantado
vai além de práticas inovadoras em determinados segmentos e pode ser
considerado completamente diferente da grande maioria dos colégios que oferecem
o ensino médio.
A metodologia, chamada de
"Oficinas de Aprendizagem", trabalha de forma interseriada e coloca
os alunos dos três anos compartilhando o mesmo espaço em sala de aula, sempre
divididos em mesas-redondas com equipes de até cinco pessoas. Por ela, a rede
do estado recebeu em abril deste ano o prêmio internacional Hermès de
l'Innovation, concedido pelo Instituto Europeu de Inovação e Estratégias
Criativas.
O projeto foi implantado como
experiência-piloto em duas unidades, de Curitiba e São José dos Pinhais, em
2005. Hoje já são 41 unidades e cerca de 11 mil alunos. No Paraná, ainda que os
colégios sejam voltados para filhos de trabalhadores das indústrias, que também
têm direito a um desconto na mensalidade, eles admitem toda a comunidade.
A cada bimestre há uma variedade de oficinas que discutem temas diferentes,
como por exemplo os "Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da
ONU" ou "O Que Quero Ser Quando Crescer", e os alunos podem
escolher qual pretendem cursar. Entretanto, essa liberdade é relativamente
limitada: estudantes do primeiro ano são orientados a entrar nas oficinas que
introduzem aos conteúdos do segundo grau.
Os conteúdos obrigatórios do
currículo são organizados em torno da resolução de desafios propostos pelos
professores, sempre fundamentados no tema em questão. As diferentes disciplinas
se complementam cruzando conceitos e em cada oficina há um livro e um filme
relacionados que devem lidos e assistidos por todos. Dessa forma, criam-se as
chamadas "Teias de Conteúdos", que buscam desenvolver uma visão
sistêmica de toda a unidade. A gerente de operações Inovadoras do Colégio Sesi,
Lilian Luitz, diz que 60% das avaliações são voltadas para a equipe, o restante
é individual. O professor pede trabalhos, apresentações e sempre observa pontos
que contam para avaliar a performance dos alunos, como participação e
habilidade de trabalhar em grupo.
No final do bimestre, as equipes
precisam apresentar uma atividade de encerramento com ênfase em
responsabilidade social e ambiental. Além disso, os alunos realizam um simulado
do Enem, com 40 questões interdisciplinares sobre a oficina cursada e uma
redação sobre o que estudaram. "Não podemos deixar de lado o vestibular,
mas ele não pode estar acima da formação humana. O objetivo do ensino médio deve
ser transformar jovens em cidadãos críticos", conclui Lilian.
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